1.6.17

acolhimento

ah, mas você tá mais incomodada com vida simples que com o choque cultural. me falaram isso. e bom. a vida simples não é simples. é pobre. simples é não usar tanta cortina. simples é comer só feijão com arroz. água enferrujada e falta de luz é pobre mesmo. demos os nomes. não dói, acho.
daí é uma meia verdade. eu demorei a me habituar com a vida pobre, sim. com não existir máquina de lavar. nem sempre ter água no chuveiro. faltar luz sempre que chove. demorei a me acostumar com as faltas todas. com o transporte público inexistente, com tudo isso.
mas a outra parte. o conforto real. é assim: eu quero comida 3x ao dia. aqui não há. comem besteiras ao longo do dia. uns acará, uns dodô, amendoim. mas não fazem uma refeição. eu vou de manhã comer. vazio o restaurante. descobri que é isso mesmo. eles vez em quando comem de manhã, mas nem sempre. de tarde? comem besteiras por ali. de noite, sim. um jantarzão. meu estômago sofre. a outra função da comida é ostentar. se você dá uma festa, para mostrar que pode, faz panelas e mais panelas de jollof rice. mesmo não gostando de arroz. o correto numa festa é jollof rice.
eu pergunto uma coisa. a resposta vem pela metade. eu sigo sem saber como me comportar. as respostas são sempre pela metade. e meio ríspidas, como se eu precisasse saber de antemão. seja ríspido e se dê bem na nigéria, eu diria. é um pouco a frança, talvez. não há acolhimento.
então, o choque cultural, ele me deixa mais desconfortável com a vida pobre. porque não há um local em que eu me sinta bem. a comida é mais um deles. eu me acostumei agora. parei de desmaiar. parei de chorar de fome. mas demorei dois meses pra isso. e quando voltar ao brasil. quero meu ocidente de 3 refeições ao dia mais do que qualquer outra coisa. comida é conforto pra mim. é carinho. e aqui me sinto bem pouco acarinhada. mesmo com os enormes pratos de jollof entregues nas defesas de tese.

29.5.17

endurecer

talvez a batalha mais difícil, mais diária, seja pra não endurecer com as pancadas que a vida dá. pra manter o sorriso. o peito aberto. o passo pronto pra tentar de novo. depois de tanto não. de tanto erro. de tanta porrada. talvez o mais difícil seja poder se abrir. poder sentir. uma vez, me falaram que eu tinha vocação para a felicidade. nunca entendi o que seria isso. não tenho vocação para nada, pensei. nem pra ser eu. hoje em dia, eu acho que entendi o que a pessoa queria dizer. depois da pancada. o sorriso, a gargalhada. depois do choro, a leveza. de quem sabe que a vida é essa que veio. a vida é essa que virá. e que a gente pode e deve tentar achar esse momento sem sofrimento. esse momento de felicidade. com uma banana frita se der. ou com uma conversa. ou uma cerveja. a felicidade tenta escapar sempre. mas ela é tão nossa. que só posso oferecer um ombro amigo a quem esquece. eu já apanhei da vida mais do que parece. eu nasci com coração doente. eu perdi irmão. eu perdi pessoas queridas que foram antes da hora. de diversas formas. tem uma hora em que a gente tem de virar pra vida e falar "pode bater. eu volto." pela felicidade de um elogio do rapaz bonito. de um chocolate. de um abraço de um amigo querido. eu volto.

10.5.17

mudada

faz tempo que não escrevo aqui. as pessoas falam que voltarei mudada para casa. eu concordo sempre. eu não sei o que isso quer dizer. voltar mudada. a gente muda quando dá mais um passo, não? a gente muda o tempo todo. eu mudei já umas 3x hoje, acho. aquela frase velha do não podemos mergulhar 2x no mesmo rio. eu tendo a discordar, ainda cito langston hughes e luandino. em algum momento mergulhei na diáspora. tanto que precisei ver de onde ela começou. e daí estou aqui olhando para isso. e não consigo. nada. estou como folha em branco, muda e sem conseguir organizar um pensamento. e logorreica, preencho espaços vazios. aqui, no facebook, no word, no evernote, num caderno. as palavras precisam sair para eu tentar uma produção de sentido com tudo que li a vida inteira e o que estou vendo. a produção de sentido ao se ler hugo e chegar em paris é imediata. ou eça e lisboa. até machado e rio de janeiro. a cidade é uma força em si de sentido da literatura. eu entendi achebe ao reler aqui. as palavras ganharam mais força. se isso é possível. a destruição ficou mais patente. mas não consegui produzir sentido nenhum. só compreender. quero uma mão que me guie e diga "aqui, segue esse caminho" mas eu sei que nesse caminho só tem espaço para mim. como de resto o caminho que me fez chegar até aqui. pegando sonhos dos outros com as mãos e trançando os meus. e agora eu me vejo olhando pronde cheguei. pronde quero ir. e a vontade única é de pedir ajuda. como tantas vezes, na verdade. a vontade única é de ter alguém pra ir junto. eu tenho tido vontade de casar. de ter filhos. coisas que nunca tinha pensado de verdade. nem quando casei. eu casei porque gostava dele. e achava que devia. agora eu acho que de repente. eu queria não ter um caminho tão sozinho nessa vida quanto o que eu trilhei. eu sei, eu sei. os amigos estão todos aqui. mas a coisa bonita da amizade é esse perto-longe. essa similitude sem andar pelo caminho. essa compreensão. hoje, como de resto nessa viagem, hoje, que eu parei de chorar por nada e por saudades. hoje eu entendo. que só o que eu queria era não estar sozinha. mas eu estou. e isso é bom. porque é o que eu sei ser. é o que eu busquei e trilhei. mas talvez. não sei. acho que não é mais o que eu quero. aqui eu tô aprendendo a me olhar.

7.4.17

Pergunta

A mãe de santo disse que estou solteira e bem assim. Alguém disse a ela. Acho que xangô. Mas não lembro. Sei que não deixa de ser verdade. Me perdi olhando uns textos meus e achei um ou dois falando de braços e pernas e línguas. E percebi que até o sonho de outro dia isso estava adormecido em mim. E o sonho puxou de volta e eu tô indo viajar e não sei o que fazer. Com braços e pernas e línguas e corpos. Nem todo prazer provém do corpo, acho. O corpo existe, gera afeto e prazer. Mas nem só. O corpo pode ficar de lado. O corpo dorme. E quando acorda eu fico perdida. Tô aqui olhando pra ele e pensando como fazer. O corpo não em forma. O corpo não usado. Enferruja e cansa. E agora quero voltar na mãe de santo e perguntar o que fazer com ele.

6.4.17

Correto

o mundo em que conquista nenhuma pode ser comemorada porque não veio do jeito certo. o mundo em que existe jeito certo. e que o jeito certo é medido na régua de quem fala. que define também quem é bom o suficiente para andar ao seu lado. esse mundo daí. é um mundo excludente e infeliz. fantasiado de inclusivo, porque jura que quer o melhor de todos. desde que seja do jeito certo. a gente volta sempre praquela crítica, né? ao que acreditam que seja o pós moderno. ao problema em se relativizar as coisas que é visto. nada pode ser dependente de pinto de vista, tudo é definido e definitivo. na verdade as pessoas morrem de medo de não saberem em que chão pisam. de precisarem ir definindo o caminho ao caminhar. e a melhor forma de não precisar definir o caminho ao caminhar. de não precisar rever e reorientar o caminho. de não precisar ficar escovando a contra pêlo pra ver o que vai surgindo. é definir o pelo. o caminho. a origem. o correto. e seguir excluindo todos que não seguem a cartilha. inclusive os da outra cartilha que não é a nossa. porque só a nossa cartilha é boa, correta e justa. só o nosso caminho é possível. 

mas isso é mentira. pessoas podem ter morais diferentes e uma não ser melhor que a outra. caminhos e vidas diferentes. claro que acho a minha melhor. porque é a minha. foi o caminho que eu fui trilhando que me trouxe aqui. é muito complicado achar que a conquista do outro não me representa porque não é como eu faria. se há algo que busco é o copo meio cheio. porque a vida me esvaziou copos demais até aqui pra eu não buscar as pequenas coisas. pequenas como um grupo imenso de mulheres se unir em menos de uma semana e conseguir uma desculpa afobada e bastante mal escrita de um galã e de uma emissora. não, a emissora não mudou tudo. mas houve união e é um começo. pequenas como fora do que se espera. inclusive de espectros políticos, porque são lutas por dignidade mínima, e isso foge ao escopo da direita ou da esquerda. ou deveria fugir. os começos são tímidos. as narrativas são longas. os caminhos são difíceis. ninguém chegou lá achando que cada passo era uma derrota. a gente chega lá se fortalecendo com os passos do caminho e crescendo com eles.

19.3.17

imperativo

os imperativos das redes sociais, pensou alessandra. faça, pense, coma, leia. a linguagem da publicidade contaminou o mundo. tudo é uma ordem. andou com o dedão pra cima e pra baixo e desistiu. fechou o celular e pegou uma roupa. riu, pensando que era outro imperativo "saia do facebook e vá viver" nem querendo escapava disso. saia. corra. ande. beije. use. beba. não beba. ela só queria ver os amigos e tava se sentindo obedecendo alguém. obedecer nunca tinha sido algo de que gostasse. saia.

saiu. de saia. tinha um post falando sobre não usar saias. alguma explicação qualquer que escapava agora. usou. tinha um contra bebida alcóolica. pediu uma cerveja. um contra sair sozinha. ela tava sozinha. não. mentira, tava esperando uns amigos. mas tinha um post, certamente, ensinando a não esperar. e outro a esperar. ela ficou com raiva. e tinha um post mandando não sentir raiva. algo sobre o corpo não físico. se beliscou. para ter certeza do que sabia. que corpos são físicos, são presença e ela mesmo estava ali. 

o amigo chegou. ela riu. tinha um post que descrevia como mulheres não devem sorrir. ela começou a conversa e daí ficou na dúvida. tinha um post mandando não dormir com caras, e um mandando dormir. a qual desobedecer? considerando que o amigo é legal e bonito e tava tentando alguma chance faz um tempo. escolheu desobedecer o primeiro. pera. isso significa que obedeceu o post lá de cima e pensou? agora ela não curtiu.

mas riu da própria bobagem e ficaram ali sentados na praça mauá, olhando o mar. os outros amigos não foram. ela começou a desconfiar que joão tinha inventado que iam. mas se achou meio paranóica. e pensou que post tava obedecendo ou desobedecendo naquele momento. achou que era aqueles imperativos de "seja feliz". segue a conversa. segue a noite. segue o dia. segue o joão. ela não via joão fazia uns anos. ainda estava querendo entender de onde ele tinha surgido. curiosidade mata a gente.

curiosidade faz a gente viver. curiosidade faz a gente mudar. alessandra andava precisando de uma mudança mesmo. era bom largar os imperativos de lado um pouco

2.3.17

carnaval

é. acabou. mais um. todos foram absolutamente lindos. mentira. uns eu tava bem ruim. mas todos foram lindos. talvez não pra mim. carnaval. essa coleção de histórias. pela rua da moeda de madrugada. pelo cais. pela praça mauá. pelo meio do cacique. vendo os bate bola, achando graça dos periquito, tentando aprender frevo e sambando até o tênis efetivamente furar.

carnaval é quando a gente olha tudo e aprende que vai virar aquilo. daí eu tenho a minha história de como eu me descobri feita pro carnaval. eu tinha 5, 6 anos e precisei seguir a mangueira. azucrinei mãe, pai, parentes todos que detestam carnaval. que são senhores sérios e intelectuais. e expliquei que eu tinha. precisava. era absolutamente vital. ver a mangueira. fui ver. passei a noite em pé sambando, ganhei pilhas de adereços. aquele cotoco louro animadíssimo merecia, afinal. sambei. sorri. cantei. dormi 48h depois. passei a só usar verde e rosa durante janeiro e fevereiro. pintava as unhas. ouvia os sambas. era parte da minha vida aquilo.

daí eu cresci e virei parte dos intelectuais e até ia ao cinema durante o carnaval. juro por deus. mas eu seguia ouvindo os sambas. e usando verde rosa nos 4 dias. e enfim. tem aí o que me apaixona no carnaval até hoje. eu gosto de andar no centro da cidade. e a minha razão de andar no centro da cidade é a sensação que tenho completa e absoluta de solidão. ninguém ali me vê. me olha. sabe quem eu sou. eu amo essa sensação. ela me tranquiliza.

volta pro carnaval, que um dia deu um clique. acho que foi um dia bobo em que resolvi ir no suvaco, ou no barbas. fui, dancei, cantei, lembrei. passei a ir pro recife. pro rio. pra tudo. no carnaval eu uso a máscara. eu pinto o rosto. me banho em purpurina. enfio 3 saias de filó. peruca. shorts coloridos. no carnaval eu faço igual aos outros ali na rua. eu me misturo a eles. e de tarlatana rosa eu sou mais uma na multidão. no carnaval eu não sei se é açafata ou se é um tango. no carnaval eu sou absolutamente sozinha ali por 4 dias no meio da multidão eu sou um nada. um nada entre todos os outros. ouvindo histórias e produzindo elas. no carnaval. eu sou a tarlatana. eu sou a suíça. a índia. o muro do dória. no carnaval eu não sou ninguém por 4 dias. e não ser ninguém. é absolutamente delicioso.